Dia de janeiro


Cristóbal Escanilla

Era uma vida vazia. Olhava todo o feed do Instagram e passava horas olhando mais fotos de mulheres lindas, segundo o padrão brasileiro. Metade do dia se sentia acima do peso, com os braços que de magro pouco tinham, e a outra metade achava que sua pele estava oleosa demais. Quis, por diversas vezes e com insistência absurda, se sentir confortável em sua própria pele, só que não sabia nem por onde começar. Foi, aos poucos, perdendo a cor, e numa relação inversamente proporcional, a medida em que mais mergulhava em um universo dito como certo e perfeito, se sentia mais afogada por suas inseguranças e engolida por suas fraquezas. E, numa tentativa quase nula de se manter ereta, se curvou novamente assim que as palavras alheias, de pessoas queridas, lhe acertaram como flexas lançadas de propósito. 

A partir dali, não importava mais quantas pessoas a elogiasse ou a desejasse, tudo era preto e branco, e feio. Todas as roupas que provava destacavam todos as curvas que não queria ver. Sua mente era bombardeada por uma nostalgia fria de "você ficaria ótima se emagrecesse uns quilos", "se você continuar desse jeito vai continuar engordando, tem que se cuidar mais", "gostava mais de você magrinha". Tirou as roupas que em um outro momento compraria e deixou ali. "Obrigada moça, mas hoje vou deixar." Já não sabia mais se era melhor aceitar o corpo que tinha ou se mudava os hábitos alimentares para suprir a necessidade alheia de vê-la dentro do padrão, mesmo que isso não a fizesse se sentir tão bem. Eram noites e dias longos pensando em qual decisão tomar. Até que, em um dia de janeiro, fixou seu olhar no espelho e foi se despindo, delicadamente, como se fosse feita de porcelana. Encarou seus seios desajustados, sua barriga pintada de celulites e seu quadril tímido. Analisou cada poro e pediu perdão a todos eles. Por ela. Por todos que os magoaram. 

Olhou para dentro de si, de alguma maneira louca, e percebeu que sua casa estava ali. Seu corpo era seu templo e sua mente o céu, capaz de dar chuva e sol quando bem entender. As leis eram feitas por ela mesma e a própria as aprovava ou não. Decidiu, então, que viver com equilíbrio é a melhor das escolhas. Como dona de si, ela precisava se cuidar e colocar dentro de si alimentos saudáveis e, por outro lado, jurou a si mesma criar uma muralha contra críticas nada construtivas sobre seu corpo. Não mais. Era hora de se abraçar e se amar, pela primeira vez. Era uma vida cheia, enfim.

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