Estorninho

ann h.



Sua aparência era rígida, como a de uma coruja enquanto dorme. Suas coxas estavam adormecidas, seus pés tensionados há mais tempo do que se leva para perceber e seus joelhos apenas existiam para causar mais desconforto aos tornozelos. As suas costas, por sua parte, desenhavam um arco que de íris nada tinha: se mexesse de uma lado para o outro dava para ouvir ranger. Não como uma porta velha, mas como piso de taco, que vez ou outra range e vez ou outra sai do lugar. Na sua nuca e trapézio, se acumulavam nervos sempre pressionados e seus olhos eram vigilantes, como o de uma coruja enquanto acordada.

Cada dor tinha sua vez de ser sentida, e todas ao mesmo tempo. Como numa multidão que se escuta voz por voz e essas, por sua vez, somam-se em todas. Simultaneamente, formando uma nova. Dores de diferentes lugares com diferentes timbres. Dores que construíam uma condição melancólica e pouco flexível. Dores que passeavam entre graves e agudos e disputavam qual gritava mais. Esteve, assim, na mesma posição por minutos, que lado a lado se tornaram horas, que lado a lado se tornaram dias, que lado a lado se tornaram semanas e semanas meses e, quando se viu assim, tão agarrada ao chão, já eram anos. Não sabia como podia ser diferente, não sabia como cada músculo passou de estado relaxado a rígido, não sabia as razões ao certo. Mas o que sabia era que doía continuar agarrada ao chão, como uma folha seca que enrosca na madeira e lá permanece até vento que se faça resolver levá-la. E o vento a levaria também, afinal?

Resolveu que não mais podia esperar para saber. Permitiu-se erguer os olhos, e sentiu a claridade invadir as retinas, no mesmo momento em que sua cabeça tentava se lembrar do peso que tinha e se por para cima. Permitiu que seus braços se esticassem, assim como pernas e pés, fazendo ponta, meia ponta e flex para voltarem a sentir o chão de outro jeito que não fosse o que eles conheceram durante tanto tempo. Permitiu-se, então, ser estorninho em vez de coruja. Preferiu dobrar ligeiramente os joelhos em vez de tornar seus músculos rígidos para se segurar no galho. Preferiu ser bambu em vez de carvalho para dançar ao vento. Sentiu-se feliz com essa decisão e levantou-se do chão, sem hesitar, para viver enquanto as corujas dormiam.


- Autoria de Mariana Sanches Moraes, 2021.

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