Por que o feminismo é necessário




Presumo que o feminismo sempre tenha existido. Desde as crenças mitológicas, nascimento do cristianismo, renascimento, revolução industrial, ascensão burguesa, grandes guerras, ditadura e redemocratização, porque, em absolutamente todos os hemisférios e em toda a cronologia histórica, o machismo sempre tem existido. Portanto, cada essa causa, aquela consequência. As mulheres, tidas como personagens perigosas, feiticeiras, bruxas, tentadoras, frágeis, dependentes, dentre outras características nas mais diversas religiosidades e mitologias, tiveram em seu trajeto muito pouco auxílio para sustentar suas indignações. Eu consigo imaginar claramente, por exemplo, uma moça do século XVII se perguntando o porquê dela não poder trabalhar fora como o marido. O porquê dela, na Idade Média, não poder assinar com seu próprio nome um texto feito por ela, em vez disso o marido assina, já que mulheres não eram consideradas cidadãs nem seres pensantes em determinada época. Há quem, sendo mulher, se calou, aceitou, apoiou. Mas eu me recuso a acreditar que eram todas. 

E, ainda que as pessoas tomem conhecimento, gradativamente, do quão opressoras são as atitudes machistas, é provável que menos da metade faça relação delas com o termo "feminismo". Ainda que tenha sido um assunto relativamente repercutido, poucos são os cidadãos capazes de compreender o que são os feministas, de onde surgiram, do que vivem e como se reproduzem. Na verdade, estão sentadas ao seu lado no ônibus, paquerando você na balada, passando por você na rua ou respondendo sua mensagem. Não são criaturas que existem em um mundo paralelo. Talvez a ideologia do feminismo possa lhe parecer utópica e que só mesmo em um mundo paralelo. Mas o que se discute a respeito do conceito da palavra é ignorado. O feminismo não quer, ao contrário do que alguns argumentos batidos afirmam, desencorajar o homem a tomar a iniciativa de conversar com uma mulher. O feminismo não quer desvalorizar o homem. O feminismo não quer obrigar o homem a agir como homem, porque homens devem agir de tal modo. Isso é coisa do machismo. O feminismo não quer roubar o espaço do homem. O feminismo não quer vitimizar a mulher. O feminismo não quer sugerir a não depilação das axilas e pelos pubianos. O feminismo não é exclusividade das lésbicas. O feminismo não é o mesmo que misandria. O feminismo quer equidade dos sexos e, mais do que isso, dos gêneros. O feminismo é necessário. A maneira errada com que as pessoas entendem o feminismo está em seu próprio nome: elas acham que é uma espécie de vingança contra os homens, que as mulheres querem mandar no mundo e aniquilar o sexo masculino. Me poupem. O sentido da palavra é outro: as mulheres querem, devem e têm os mesmo direitos que os homens. E aquele contra-argumento de que se fosse para disseminar a ideia de igualdade deveria ser "igualitarismo" já caiu por terra. É feminismo porque é a mulher quem, durante toda sua existência, se sentiu ou foi menosprezada pela razão de única e exclusivamente ter nascido mulher. Então, o equívoco se dá a partir do momento que há a superficialidade ou não análise da compreensão do termo.

Para estimular ainda mais a discussão do assunto, alguns acontecimentos recentes revelaram as faces terrivelmente opositoras ao feminismo. Quando o tema "violência contra a mulher" e um texto de Simone de Beauvoir foram abordados na prova do Exame Nacional do Ensino Médio, alguns setores da sociedade civil acusaram os organizadores da prova de doutrinação esquerdista, comunismo e afins. O simplismo do argumento dessas pessoas mostram o quanto elas sim podem estar doutrinadas por um pensamento conservador típico da direita. Mas os lados políticos pouco importam para discutir o feminismo. Simone de Beauvoir, quando disse que "ninguém nasce mulher", não estava se referindo a nascer com uma vagina entre as pernas. O sexo biológico, afinal, nasce com os seres vivos. Mas os humanos, enquanto seres racionais, fazem, ao longo da vida e da história, construções pessoais e sociais que vão além do dualismo biológico. Não é anormal que um ser humano, por exemplo, se sinta mais a vontade adotando comportamentos do sexo oposto. Isso é denominado gênero, que difere do conceito de sexo. É como cada um se identifica e cada indivíduo deve cuidar e decidir sobre o seu, não sobre o de outrem. As estatísticas, quando tomadas fora de contexto, podem até indicar que homens sofrem mais com a violência, mas a violência contra a mulher é alarmante. Afinal, a violência contra ela não vem de uma briga de bar ou de um desentendimento por causa de dinheiro. Vem do estupro silenciado, do desrespeito diário à esposa, da ideia de que o homem está em posição superior à mulher, da cultura sexista e, portanto, do direito de dela abusar. Pelo bem do mundo, não achemos que falar de feminismo e violência é coisa só de esquerda. É coisa de esquerda, de direita, de centro, de cima, de baixo, enfim, do mundo. É preciso discutir e combater. 

Há pessoas que, em tempos modernos, ainda batem na mesma tecla, questionando o porquê do feminismo ser fundamental para todos se somente a mulher se beneficiará. Mentira. O feminismo é importante para a educação das crianças, que crescem hoje acreditando ser normal ver a mãe chegando em casa cansada e indo fazer a janta, enquanto o pai assume o sofá e o controle. É importante para a aplicação de leis que pouco são utilizadas devido à falta de ciência por parte das vítimas e testemunhas e à falta de importância dada às agressões. É importante para a descriminalização e legalização do aborto, esse que mata, conforme dados e estatísticas recentes, um milhão de mulheres por ano por uma questão não somente de política, de religião e de ética - essas nem deveriam ser explanadas -, mas também de saúde pública. Sem mencionar o absurdo que é a autonomia que a mulher não exerce sobre o próprio corpo e a contradição que gera o argumento do Estado de não querer "matar" um bebê quando mata a mulher. Ó feminismo é importante para que os indicadores não nos deixem ainda mais assustados com os números de estupros e feminicídios. E não conseguiremos a aceitação maioral do feminismo sem os homens também. Porque feminismo não é "coisa de mulher".

Enfim, para aqueles que acham que a violência contra a mulher é pouco, nos lembremos do absurdo que sofreu a participante Valentina, do Masterchef Jr. de apenas 12 anos. Pedófilos afirmam ter chego a se masturbar por ela. Mas mais do que uma doença cujo tratamento existe e deve ser feito, é o desrespeito dos homens que dizem agir por extinto. São mesmo um bando de porcos. A Band tem cortado os trechos do programa os quais a jovem aparece, em tentativa de impedir tais abusos verbais. Não percamos o respeito, não percamos a visão. O feminismo é necessário, não para colocar a mulher acima de ninguém, mas para coloca-la no seu lugar: onde ela quiser, e com condições iguais às dos homens. A mulher, diferente do que se pensava antigamente - ou do que ainda se pensa -, não quer enfeitiçar ninguém. Talvez as conquistas que queremos e que temos conseguido é que deixem alguns espantados e com certo temor de que, a mulher como dona de si, mostre a que realmente veio ao mundo.




E Mariana Sanches Moraes

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