Quando eu sou a outra



Quando a noite chega ao êxito e os lençóis já estão desarrumados, você me chama. Quando o silêncio tranca a porta do seu quarto e há apenas a minúcia lhe acompanhando, você me deseja. Perdidamente. Excentricamente. Você me deseja nua, de alma e corpo, para preencher o buraco da sua alma e satisfazer a avidez do teu corpo. Eu sou o templo que você habita nos seus refúgios, o abrigo dos seus medos e sou, também, a sua coragem de combatê-los.

Eu sou o que você quiser, quando quiser e como quiser. Você me tem e e eu me contento em ser sua, mesmo que num dia amargo de solidão ou numa tempestade de brigas com ela. Você não poderia saber, mas eu já custei a valer uma mulher inteira para você, com direito a relacionamento e com a responsabilidade de ser uma versão muito melhor dela. Mas você não poderia saber. Estava ocupado demais, procurando uma desculpa para ela e um escape para mim. Nunca se preocupou em inverter os papéis, jogar um verde, tentar a sorte. Sem dúvidas, eu sou mais do que uma amante. Eu sou a mulher que te faz sentir homem na cama e fora dela. Eu sei o que te faz rir e chorar ao mesmo tempo e sei que você não quer que ninguém saiba disso. E ninguém nunca saberá, pois eu guardo todos os seus segredos lacrados a sete chaves e te guardo, lacrado no meu coração. Eu sou aquela que faz você se sentir presente, vivo, resgatado, gloriado, amado. Eu sou muito mais que uma amante porque sou menos do que tudo o que você planejava e é por isso que eu te surpreendo tanto. E você se surpreende também. Afinal, eu não sei cozinhar, mas você adora quando saímos para jantar. Eu não sou madura, mas você dedica algum tempo à dizer que eu consigo ser menina com atitude de mulher. Eu não tenho muita coisa nessa vida, mas você me ensinou a não chorar por aquilo que não precisamos.

Com você, eu aprendi a arte de amar e o dinamismo de viver. Encontrei o lado escuro do dia e a luz que ilumina a noite. Obrigada por não ser meu e me ensinar a não ser tão sua, mesmo que me entregando sem a malícia de saber que eu iria sofrer. É que eu fui muito ingênua em acreditar num amor de segundo plano. Eu poderia não ter te conhecido. Eu deveria, aliás. Porque eu estava no auge da minha vida, juventude à flor da pele, num tempo de descobertas. Meu futuro era promissor e meus rapazes tinham mais dinheiro no bolso do que você no banco. Mas, por falta de lucidez, caí em seus braços. Braços esses que não aguentaram o meu peso. A queda doeu um pouco, dói ainda. Só que você, ao contrário de mim, não poderá ser meu templo nem meu abrigo. Você definitivamente não tem estrutura para isso. Espero que, assim que terminar de ler esta carta, você possa compreender o porquê de, no final das contas, eu ter ido embora. Sim, eu estou deixando você com o coração apertado e a sua mulher com a consciência leve. E não venha atrás de mim, eu me desprendi de tudo o que me ligava a você - celular, roupa, chave, perfume, apartamento, cidade. Não se preocupe comigo, estarei por aí, aproveitando a vida.


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