Vamos desacelerar


Desconfio que a minha ansiedade te causa certo desconforto, que meus fantasmas impacientes te afetam o humor e que minha veracidade te desanima colocar os seus sapatos cor-marrom-desbotado-do-sol que você tanto gosta. Exatamente como teus barulhos noturnos me dão insônia, tuas risadas crônicas sem precedentes me irritam, tuas fitas espalhadas na mesa de jantar no dia de domingo me tiram a atenção enquanto eu leio mais algum mistério de assassinado de Agatha Christie.

E ainda assim estamos aqui. Por muito pouco tempo, mas mais tempo juntos do que separados. Com muita relutância de opositores, como sua mãe e meu pai, mas mais resistência nossa do que deles. Ainda estamos aqui, sobre esse mesmo teto, por amor. E o amor nos faz desacelerar. Portanto, não deixe que o celular seja o primeiro a que você dá atenção ao acordar. Olhe ao seu lado, eu estou aí. Então, aproveite-se de mim enquanto eu estou na cama, me beije, me toque, me abrace. Vamos ficar deitados por alguns minutos, desejando a chuva parar, mas implorando para não ir trabalhar. Vamos desapegar dos bens materiais que nos escravizam, que nos consomem por dentro e invertem a ordem das nossas prioridades. Vamos nos reparar mais, nos importar mais com nossas vontades, seja de assistir uma série de terror que você insiste há meses, ou de fazer aquela viagem para Europa que eu quero tanto planejar.

Mas não pensemos em relatórios a serem entregues nem em reuniões a serem marcadas. Vamos desacelerar o tempo e criar o nosso próprio. Vamos renunciar ao cargo de marido e mulher e adotarmos nossas próprias regras - ou vamos quebrá-las. Vamos ficar por aqui fazendo nada. É tão bom fazer nada com você. Eu prometo controlar minhas grosserias e você promete recolher as fitas da mesa. Eu aceito assistir a série e você concorda em economizar para a viagem. Porque o amor é feito de harmonia, então eu cedo, você cede e as coisas simplesmente acontecem.


- Mariana Sanches Moraes 

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