Anjo nefasto



Outra noite, escutei sua voz distante, suave, quase sussurrada. Eu tive que me esforçar para entender suas palavras, que soavam como melodia para meus ouvidos. Ela foi se esvaindo pelo vento sereno até eu perceber: era alucinação.

Não que isso me perturbe durante o sono, nem que me apeteça ter você agora apenas no abstrato. E eu ainda tenho aquela velha desculpa que conto por aí quando me perguntam de você: ela é dinâmica demais para se estabelecer numa relação. De forma nenhuma isso deixa de ser verdade, mas Deus sabe que eu fiz de tudo pra você ficar. Talvez não fosse uma decisão conjunta mesmo, vai ver você só queria ter o prazer de me desnortear, de me causar arrepios sem nem me tocar, de ser o alicerce dos meus impetuosos desejos.

Na verdade, eu não hesito em afirmar que você me envolveu dos pés a cabeça que um jeito que ninguém jamais fez. Me tirou do sério tantas vezes e eu não consegui te desprezar nem por um segundo, me tomou como um objeto de pouco valor e eu gostei. Eu gostei muito. A maneira que você olhava cada traço do meu rosto enquanto falávamos sobre qualquer banalidade, a convicção que você tinha de cada passo que dava ao andar pela rua, o brio que você usava para assolar o meu ego nas discussões e a sensualidade, que estava ao seu dispor todos os dias. Você era capaz de apagar a beleza de qualquer borboleta branca camuflada em meio ao verde de um jardim. Você conseguia me atormentar mais do que qualquer fantasma do meu passado. Você é um anjo nefasto.

Você manipulou o jogo, me usou como isca e saiu por cima. Nada que me surpreenda. Você consegue sempre o que quer, com seu jeitinho de convencer tão singular. Eu não sei quem lhe disse sobre autenticidade, mas você é extremamente sexy. E não se tratava da sua coxa gostosa de apertar, nem da sua lingerie mais provocativa. Se tratava dos fios de cabelo soltos sobre os seus olhos nus de maquiagem, da cara de sono que você tinha enquanto escovava os dentes, vestindo apenas uma camisa minha - ou, nos dias de sorte, nada. Assim mesmo, sem esforços.                 

Era essa sua confiança, naturalidade e sensualidade que desafiavam meus instintos. Você tinha muito do tal sex appeal e apelava mesmo. Nada se compara a você, à sua beleza, à sua altivez, à sua vitalidade, ao seu sorriso. Até que meus sonhos acabem, serei esse servo que a tudo lhe convém. Minha disposição só acaba quando você não for mais sinônimo de vício. Você pode voltar a qualquer hora, sem avisar, sem trazer presentes, somente seu corpo molhado de chuva e sua respiração ofegante, dizendo que veio correndo para me ver porque estava com saudades. Ou, quem sabe, apenas para buscar algo que esqueceu. E, se esse for o caso, leve consigo todo os efeitos que você me causa.


- Mariana Sanches Moraes 

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