Relatos de uma mente confusa
Fui procurar a felicidade e a encontrei no quintal
de casa. Eu a vi como manto sobre uma criança que ria sem motivo aparente. Suas
gargalhadas e sua alegria talvez se dessem por simplesmente estar ali, sentada
em um balanço que a levava para o alto e depois a descia gentilmente,
vislumbrando-se o vento em seus cabelos encaracolados. Ela é feliz e é livre.
Livre para gritar, espernear, chorar, rir, dançar, cantar, enfim, pode ser o
que ela quiser. A crítica e análise social não a atinge, porque ela é uma
criança e “criança é assim mesmo”. Mas eu, já adulta, suspeito não ter a mesma
sorte que ela. E nem você.
Apesar de eu ver a felicidade dela, não conseguia a
sentir em mim. Seu sorriso meigo não me contagiava e sua liberdade não me
atingia. Tudo bem, eu nunca fui de doar muitos sorrisos por aí. No entanto, também
nunca fui muito de permitir que discursos prontos chegassem ao campo das minhas
várias preocupações. Só que agora é diferente. Eu me vejo e me percebo de
outra forma, como se tudo até então fosse de certo fingimento inconsciente da
minha parte. E eu já escrevi sobre isso mais de uma vez, na esperança de que as
palavras me ouvissem e me retornassem com alguma solução ou conselho.
Infelizmente, nada. Cheguei também a vomitar angústias por mensagens com
amigos, mas a ânsia não passou. Então, após tentativas frustradas de me
desfazer dessa bagagem pesada que a realidade obscura da vida me trouxe,
resolvi agir de acordo com meu instinto pouco experiente. Sem sucesso de novo,
uma vez que, bem, como eu disse, meu instinto é traiçoeiro. Muito embora eu
tenha pensado em deixar para lá, esquecer, colocar o tapete em cima, ignorar,
fingir ou qualquer coisa que me afaste de quem eu sou, escolhi entender e
resolvi descobrir.
Comecei pelo início. Meu primeiro beijo. Ok, nada
demais. Foi com um menino, normal. Eu sou heterossexual. Tive outros casos com
homens e, logo uns anos depois, só fiz o que eu já quisera há muito tempo:
beijar uma garota. Legal, nada demais, prefiro homem. E minha vida amorosa,
contando em poucas palavras mas que são extremamente pessoais, começou a ficar
mais diversificada, mesclando homens e mulheres – mais homens que mulheres. Já
sem rótulos ou preferências, pude desfrutar do prazer de ambos os sexos.
Algumas amigas minhas insistiam na ideia de que eu era bissexual, mas isso de
fato não importava e eu não queria me restringir a um grupo sem ao menos ter a
certeza de tal inclusão. E, por mais que meus libidos se engraçassem para o
lado da mulheres, nunca deixei isso transparecer. Por medo, reação, preconceito. Até então.
Ultimamente, me pego vagando pelos arredores da
cidade à procura de diversão. “Mas, pera aí, sozinha?”, você me pergunta, e eu
lhe respondo que sim, sozinha. De uns tempos pra cá, me percebo em um lugar que
não me pertence, junto à pessoas que não me interessam mais tanto assim, sem
poder abrir a boca e dizer que eu simplesmente descobri que prefiro mulheres a
homens, sem poder chamar amigos meus para sair porque “eu não vou em balada
gay”. Eu não tenho amigo gay, nem lésbica, nem bissexual, nem trans, nem pans,
nem pá. Meu drama é não ter contato com pessoas como eu, com os mesmos
interesses de músicas, assuntos, hobbies, filmes, séries, programas e afins.
Tudo isso porque eu despertei esse interesse dentro de mim de forma minuciosa,
mas tão discretamente que nem você notou. E eu estou aqui, escrevendo pela
primeira vez o que eu sinto, penso e sou. Sou hetero? Sou gay? Sou confusa? Pra
caramba. O que me resta é descobrir e ser livre. Livre para gritar, espernear,
chorar, rir, dançar, cantar, enfim, poder ser o que eu quiser. Aí então saberei
exatamente do que se trata os risos de uma criança feliz.
- Mariana Sanches Moraes
- Mariana Sanches Moraes
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