Outono paulatino



Em meio às adversidades da rotina, ao caos defronte do cotidiano e aos percalços dos desencontros pontuais, há sempre um quê de sossego. A vista que descansa os olhos, o som que acaricia os ouvidos e a sensação que desperta o corpo pouco estimulado acabam por aparecer, de uma forma ou outra, entre um momento oportuno e outro. Diante do farfalhar das folhas secas caídas, eu vejo um redemoinho dançando, como se soubesse toda uma performance de ciranda. É preciso, porém, algum tempo para inclinar-se a ver detalhes tão minuciosos de uma beleza escondida e tímida dentre os males que a vida carrega.

A estação é de outono e ainda me lembro dos dias quentes, muito embora as noites sejam mais longas a cada vez que me permito sair de casa para apreciar a beleza de uma mudança. Não sei dizer até que ponto outono e eu somos comuns um do outro, nem mesmo me atrevo a dizer que sou parte de sua breve passagem. Mas se eu for, espero ter a mesma força dos ventos que arrasta a solidão para longe de onde havia estado antes. Espero ter a mesma maestria de expulsar acúmulos e mesmices.

Talvez esse seja o limite de tanta coincidência entre nós: eu e uma estação transitória, com predisposição para amadurecer os frutos capazes de lembrar que uma vez já foram verdes. Daí, gradativamente, mudamos. E mudanças são boas, mas enfriam a alma de sonhador. Sair, enfim, do calor e conforto da ignorância e permanecer num constante progresso dói. Arde. Arrepia os pelos de frio. Deixa pousar gelo nas extremidades. Parte os lábios, parte de mim, parte mais uma estação. E a sabedoria chega então.

- Mariana Sanches Moraes

* Este texto é parte do projeto Pena & Tinta, cuja temática é "Estações do ano". Para saber mais e participar, acesse o Facebook.

Comentários

  1. Que texto incrível! Desde que passei aqui pela primeira vez, quando você deixou seu link lá no grupo do Pena & Tinta, eu me apaixonei pela sua escrita. Parabéns, Mariana :)
    Beijo

    ResponderExcluir
  2. "É preciso, porém, algum tempo para inclinar-se a ver detalhes tão minuciosos de uma beleza escondida e tímida dentre os males que a vida carrega." Pera, deixa eu escrever isso na minha parede de post-it!!!!! *O*
    Lindo texto, Mariana! Acho outono a estação mais misteriosa e a mais sábia, e senti muito disso no seu texto! Parabéns! <3 Beijo!

    Tici | www.bibliophiliarium.com

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Mias populares