Cruz nossa de cada dia, e cada um com a sua vida

Na foto, Viviany Beleboni

O recente protesto de uma transexual na Parada do Orgulho LGBT causou grande insatisfação de alguns grupos - e não só isso, levou até a protesto na Câmara e ação judicial. Essa pessoa se crucificou seminua em cima de um trio elétrico, para o delírio dos setores cristãos fundamentalistas de nossa sociedade. Mas vamos refletir: por que será que esse episódio incomodou tanto essas pessoas?
Alegaram desrespeito aos símbolos cristãos, afrontas à família e toda aquela ladainha a qual já estamos acostumados. Mas, pera aí: todo ano muitos atores se crucificam em diversos atos; a imprensa faz montagens de diversas celebridades crucificadas tal como Jesus Cristo, e ninguém se importa. Qual o problema com a trans? Não somos todos “filhos de Deus”? Garanto que a última pessoa que aquela manifestante quis ofender foi Jesus. Garanto que não houve intenção de deboche e muito menos de cristofobia. Este, que já está sendo idealizado como crime hediondo por alguns membros da bancada evangélica, acaba tendo os mesmos efeitos de uma homofobia não criminalizada. Mas, é claro, com muito mais chance de se tornar crime por lei. Portanto, a trans queria atingir justamente quem se incomodou com ela: os fundamentalistas. Mas o problema disso é que atos como esses buscam levar à reflexão ou a um exame de consciência. E não foi isso que aconteceu, visto que tais grupos ficaram putos da cara e a trans em questão recebeu até ameaças anônimas de morte.
 Ela se crucificou em uma tentativa de dizer a sociedade: "As camadas LGBT são crucificadas todos os dias nas ruas de nossas cidades graças à intolerância e ao preconceito", o que, apesar de não serem literalmente crucificadas, não deixa de ser uma verdade. Sabemos dos abusos e da violência que essas pessoas sofrem diariamente, física, emocional e culturalmente - de acordo com dados recentes, um LGBT é morto a cada 27 horas no Brasil. Digo ainda que o símbolo "cruz" foi muito adequado para um protesto. Sim! A cruz, embora tenha sido abraçada como símbolo pelos cristãos, era um símbolo de humilhação. A cruz não é um método eficaz de execução, seu uso busca levar a vítima ao sofrimento e à humilhação. Ou seja, coisas das quais as camadas LGBT têm sofrido há muito tempo.
     
Um comercial de O Boticário também levou insatisfação a essas mesmas pessoas: um pequeno vídeo sobre o Dia dos Namorados no qual casais homos e héteros trocam presentes e se abraçam. Só! Os caras nem se beijam, não fazem safadezas, não fazem porra nenhuma! Logo, qual o problema dessas pessoas?! "Uma afronta à família!", "Meus filhos não podem ver essas coisas." Por favor, né. Nada contagia mais do que opinião sem fundamento. Então, em vez de esconder o mundo de seus filhos, deixe eles cientes de que têm escolha de ser feliz. Isso sim é uma escolha. Sexualidade, não. Afinal, ninguém escolhe ser vítima de rejeição e discriminação. E o comercial da empresa não mostra nada demais, e se ofende tanto a "família tradicional", que ela troque de canal ou olhe pro outro lado. Mas o mais importante: que cuide de sua vida. Não só de sua vida, mas como também de sua fé e de seu comportamento. Que deixem os diferentes seres humanos viverem em paz como quiserem!

Eu hei de dar também um palpite e um pitaco: o palpite é de que boa parte dessas pessoas que reclamaram do comercial não são exemplos morais - devem ter suas amantes, erros e blá blá blá. E o pitaco é de que: a bundona da personagem “Verão”, da Cerveja Itaipava, não incomoda a "família tradicional", então, que porra de critério vocês estão usando?! Outra coisa: a família mudou mesmo - e se reclamar, vai mudar duas vezes. Não só com o crescimento de famílias homossexuais, que estão se libertando de seus esconderijos, saindo de seus armários empoeirados - porque uma hora a rinite ataca -, mas famílias mãe x padrasto, pai x madrasta, apenas pai e filhos ou mãe e filhos... Aceitem isso, caras. Mas, se não aceitarem, por gentileza, respeitem. Não é por termos uma cultura sexista, o que motiva o preconceito contra gays principalmente, e sem o raro hábito de respeitar, o que resulta da falta de educação de qualidade dentro e fora de casa, que não exista uma maneira de sair desse casulo regressista. Respeite e queira bem. Porque a impressão que dá de gente preconceituosa é que a vida delas é tediosa demais e elas tem de se ocupar com algo mais interessante: a vida dos outros. E, se esse for o caso, recomendo-as revista de fofoca.


   Coautoria: Mariana Sanches Moraes

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