Eu não sou obrigada




Eu não sou obrigada a me deitar com você. Não sou obrigada a saciar seus fetiches e nem a engolir o resultado de seus líbidos mais intensos. Eu prefiro cuspir. Na sua cara, nas suas palavras de maus tratos e na sua austeridade ao me dizer o quanto eu sou vagabunda. Mas, ao invés, direi a você que simplesmente cansei de estar à mercê de seu "instinto animal incontrolável de homem". Percebi que isso é discurso para tornar o abuso normal e aceitável. 

Reparei em suas veias, que pareciam implorar para rasgar a sua pele, em seus olhos, que pareciam me devorar sem permissão, e em sua calça, que já estava no chão. Pensei comigo que talvez eu estivesse fraca da memória ou alucinada, mas não me lembro de ter respondido aos seus avanços. E, diante daquela força brutal, me vi incapaz de relutar. Me vi incapaz de dizer "para", de me sentir humana, de me sentir mulher. Um alguém sem voz, silenciada pelo prazer unilateral, pelo desejo obrigatório, pelo macho autoritário. Um alguém sem o direito de negar. Não sei por que caminhos andei para chegar a esse destino, o que de errado eu fiz ou deixei de fazer. 

Talvez eu devesse parar de usar meu vestido curto, minha blusa decotada, meu batom cor de vinho, minha calça justa e meu salto alto. Talvez eu devesse parar de rebolar enquanto ando, falar mais baixo, cruzar as pernas, parar de trabalhar e encontrar homem que faça isso por nós dois. Talvez, então, eu devesse parar de sair à noite, não beber muito e não beijar lábios femininos, porque aí também é fetiche. É provocação. Minha sexualidade é tara para você. Mas basta.

A voz que antes não se ouvia está começando a sair, mesmo que rouca, mesmo que desacostumada com tamanho poder. E eu continuarei a te desobedecer mais e mais a partir daqui. Continuarei vibrando a cada pessoa que te colocar em seu devido lugar. Feminismo, feminazismo, lesbianismo, fascismo, ditadura feminista. Chame do que quiser. Ninguém está vangloriando Valerie Solanas, nem Hitler, nem Mussolini, nem militares. Na luta contra a ideia de que você, homem, é melhor do que eu, mulher, o objetivo é claro: nós dois com os mesmos direitos. 

E sim, isso inclui eu dividir a conta com você no nosso primeiro encontro, mas cabe a mim também decidir se quero transar, se quero ser "elogiada" enquanto passo na rua, se quero lavar a louça porque a pia tá uma bagunça e não porque você acha que devo, se quero ter filhos ou adotar cachorros. Portanto, eu não sou obrigada. E nada vai ausentar você de culpa se você me tocar sem o meu consentimento. Desencosta.


- Mariana Sanches Moraes

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