Poemas úmidos



Ela pegou os poemas do chão, espreguiçados sobre o piso molhado, escuro e gelado. Trouxe-os até seu colo e não pudera acreditar, nem por segundo, que alguém fosse capaz de descartá-los assim, sem cerimônia alguma. Não pudera crer que haviam tido desprezo tamanho os papéis, que eram aquecidos pelos seus dedos e as palavras, que aqueciam a sua alma. Tão confortáveis que poderiam servir para descanso. Tão encaixadas dentro do peito que poderiam trazer à tona a ânsia de vomitar palavras engasgadas, silenciadas. Nunca ditas, nunca escritas. Recitou, em voz alta, os poemas úmidos. Lubrificados pela indiferença e esquecimento, exatamente como suas lembranças, exatamente como sua saudade. Nostalgia.

As imagens vieram à sua mente pouco nítidas, mas revigoraram todo o sentido de um momento, todo o significado de um detalhe. Ela abraçou os olhos com o gosto da saudade que cheirava a defunto. Porque sabia, sobretudo, que saudade mata. Refloresce sentimento, sim, mas mata de dentro pra fora. Corrói o coração feito capim. O conforto foi daí convertido em tristeza. Não desejava para ninguém os poemas que lera, repensou, porque eles puxaram o barco de nostalgias e sabia que, uma hora ou outra, a tempestade que movimenta as marés havia de acompanhá-las. E acompanhá-la.

Ela leu, lembrou, em algum trecho de livro que nada pode fixar mais uma memória do que o desejo de esquecê-la. Pôs -se, então, a enfrentar a dura realidade de aceitar um pedaço de passado pendurado na parede das lembranças. Boas ou ruins, elas haviam de permanecer ali, até que fossem levadas pelo tempo com o vento, mas, totalmente, somente pelo furacão da morte.

- Mariana Sanches Moraes

* Este texto é parte do projeto Pena & Tinta, cuja temática é "Nostalgias". Para saber mais e participar, acesse o Facebook.

Comentários

  1. "Porque sabia, sobretudo, que saudade mata. Refloresce sentimento, sim, mas mata de dentro pra fora. Corrói o coração feito capim" Amei o texto inteiro, como sempre, mas em especial, essa parte. É a mais pura verdade.
    E me identifiquei muito com esse trecho também: "Pôs -se, então, a enfrentar a dura realidade de aceitar um pedaço de passado pendurado na parede das lembranças. Boas ou ruins, elas haviam de permanecer ali, até que fossem levadas pelo tempo com o vento, mas, totalmente, somente pelo furacão da morte."

    Os seus textos são de um sentimento tão profundo que me causa sensações incríveis ao ler. E esses são, sem dúvida, os melhores. (:
    Beijo

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  2. Oii

    Que lindo *-*
    Sabe que muitas vezes tenho a mesma sensação ao ler algo deixado para trás? É como se todo o meu passado voltasse pra mim através de coisas escritas a tempos atrás.
    Adorei.

    Angel | http://coracao-de-leitora.blogspot.com.br/

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  3. Oiii, Mariana! Passando para ler os textos do Pena só agora, a faculdade me consumiu essa semana :( Lindo o seu texto como sempre, é incrível como você consegue brincar com as palavras, tanto suaves quanto as mais profundas, e extrair tanto sentimento delas! <3 Bjos

    Tici | www.bibliophiliarium.com

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