Quarto ao lado - PARTE IV
Terceiro
encontro.
Naquela terça-feira nebulosa, Penélope me pediu para subir até sua suíte.
Quando abriu a porta, vi em seu olhar que aquele não era um de seus melhores dias.
Eu soube ali que aquela não era a melhor hora para transar como eu gostaria,
mas que também não seria uma noite perdida lhe fazer companhia como ela
precisava. Sorri para ela e entrei. Ela me pediu cinco minutos para um rápido
banho e eu, já com certa afinidade com aquele lugar, me senti à vontade para
servir um champanhe. Reparei, então, que ela não tinha televisão. Quando ela
saiu do banho, lhe perguntei o porquê disso e ela, com uma expressão de quem
estava escutando bobagem, me disse:
-
Televisão é distração para bobos.
Ela
caminhou até a penteadeira e, de trás dela, tirou dezenas de livros e foi
convicta:
-
Isso é o que distrai os espertos.
Fui
pego pela alma daquela mulher. Passamos a madrugada toda lendo trechos dos nossos
livros preferidos uma à outra e ficamos sob a luz da lua cheia que se exibia
como se tivesse brilho próprio na varanda. A mulher de sorriso contagiante, ao
perceber que eu estava viajando pelo céu, riu e me disse que ela fazia o mesmo
todos os dias de lua cheia e que isso a lembrava de que as noites não eram
feitas para que dormimos, mas para que admirássemos a beleza do teto aberto. E
eu quis, por um segundo, acreditar que era por aquele motivo que ela escolhera
aquela profissão. Às vezes, eu sei, ser prostituta não é escolha e é uma
lástima julgar alguém por isso, mas ela, eu sabia, havia tido mais de uma
opção. Não que gostasse de ser paga em troca de sexo, mas fora uma escolha.
Fazemos escolhas estúpidas de vez em quando. Eu aceitara ela com seu jeito errado
de ser, porque também amamos pessoas complicadas de vez em quando.
No
nosso terceiro encontro, a bela cortesã estava sendo paga para ser ouvida. Ela
me contara, ascendendo seus cigarros, sobre os seus maiores fetiches, os
bizarros que teve de realizar, as fantasias que usou, as situações em que se
envolveu com mulheres casadas, as viagens caras bancadas por mulheres de elite
e orgias que pagavam melhor do que muita gente demora a vida inteira para
ganhar. Eu apenas observava a maneira como ela falava, rindo de suas próprias
tragédias, tropeçando em suas próprias palavras. Quando eu a perguntei, para
efeito de confirmação, sobre o nosso próximo encontro, ela disse que não sabia.
Senti um frio na barriga. “Como assim ela não sabia?”, pensei, inconformada.
Após alguns segundos de silêncio, ela sorriu e disse, olhando nos meus olhos:
-
Não posso te dar certeza e pra ninguém de nada nesse mundo. A única certeza da
vida, que ela nos dá, é a morte.
A
figura sombria daquela mulher fora se revelando. Eu senti desde a primeira vez
que a vi que havia uma nuvem negra que pairava sobre sua cabeça, e mesmo que eu
ignorasse esse detalhe, ele estava por debaixo de um pano transparente. Dormimos
de manhã por poucas horas e eu, mais uma vez, fui embora deixando o pagamento
com outro bilhete que informava o meu endereço, caso ela quisesse me visitar,
em cima da penteadeira, mas ela nunca me visitara. Ao sair daquele quarto,
compreendi o que ela quisera dizer com aquela história de morte: um pedaço de
mim morria toda vez que eu deixava aquele lugar e essa era a única certeza que
eu tinha.
Quarto
encontro. Penélope pediu
para que eu entrasse no quarto sem ao menos bater na porta. Assim que coloquei
meus pés para dentro da suíte, a vi sentada no colchão e nele espalhados
livros, barra de chocolate, isqueiro prata e cigarro. Ela estava tirando o
esmalte roxo da unha com a unha, sussurrando o ritmo de alguma música. Chamei
sua atenção e ela me retribuiu com uma simples piscada de olhos. Foi ao
banheiro e eu a esperei enquanto caminhava pelo quarto, observando aquela
decoração inusitada. Até que, olhando meu reflexo no espelho, percebi que havia
algo de minuciosa estranheza naquele lugar. Recolhi as coisas de cima do
colchão e um pacote de pó branco caiu no chão. Fui lentamente me abaixando para
pegá-lo e, de repente, ela sai do banheiro. Sua aparência era de uma mulher tão
cansada que o banho parecia não ter aliviado os sintomas de um dia ruim. Daí
percebi que Penélope estava passando por um momento difícil. Andei em direção a
ela, que estava cabisbaixa como jamais havia estado, como jamais sua altivez
havia permitido, ergui sua cabeça com a mão no queixo e, ainda assim, seu olhar
estava mergulhado no chão, distante de tudo que a circundava. Perguntei a ela o
que a levou a usar drogas e lhe mostrei o pacote. Ela me olhou e me beijou. Sem
entender nada, eu a empurrei e perguntei o que fora aquilo, o que estava
acontecendo com ela e então a moça foi enfática:
-
Estamos aqui para transar, vê se tira essa roupa e me deixa trabalhar.
Me
recusei a obedecer suas ordens dessa vez e tentei tirar alguma palavra da boca
dela que pudesse me explicar aquela situação, mas nada. Ela estava
completamente perdida em si e não queria que ninguém a encontrasse. Aquele
programa foi adiado e eu fui embora antes mesmo do que eu havia planejado.
Saindo
do hotel, me vi com uma imensa vontade de permanecer por aquelas redondezas,
permanecer perto dela de alguma forma. Fui até o bar do outro lado da rua e, de
lá, fiquei fantasiando a imagem dela desfilando, sem ter consciência disso,
entre os carros da cidade. Sorri sozinha e me deixei viver em pensamento toda
nossa trajetória até aquele momento, em que eu estava loucamente apaixonada por
Penélope. A partir desse dia, eu percebi que eu era capaz de tirá-la daquele
sofrimento, seja por lá que motivo fosse.
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