Me deixa ser o que eu quiser ser

 Tamara Linchtenstein

Me deixa ser inconstante. Me deixa mudar o sofá de lugar, pintar a parede de azul, raspar metade do cabelo. Me deixa ser anormal. Me deixa deitar no chão frio da cozinha, sair de casa descalça, falar sozinha na rua. Me deixa ser o que eu quiser ser porque a constância e a normalidade não fazem jus ao ser humano. A gente merece mais. A gente merece vestir a ideia de mundo que nos convém, sem colecionar estereótipos. A gente merece conhecer mais a nossa moradia do que a nossa vizinhança, sem nos perder em nós. A gente merece reproduzir o ciclo vicioso do respeito e a fabricar com muita oferta o sorriso, sem o consumismo material. Mas não. A gente se contenta com pouco. Preferimos nos contentar com essas vidinhas miseráveis encubadas em rotinas entediantes, cheias de compromisso, cheias de prisão. Somos incapazes de ter um olhar simples sobre todas as coisas. 

Por isso, ninguém se desfaz do hábito de usar máscaras e diálogos falsos. Ou quase ninguém. E os poucos que não os fazem, são demonizados e rejeitados. São marginalizados e desacreditados. Simplesmente por serem o que são, por receberem com um chá quente e adocicado as mudanças, por abraçarem as oportunidades que seus corações, por mais distantes que estejam de tudo aquilo que está na linearidade dos paradigmas, querem abraçar. Fazer o que se quer fazer é fácil. O desafio mesmo é descobrir o que intrinsecamente se quer fazer, sem rejeitar o que vier de dentro pra fora. Parar por um minuto por dia e pensar para quem você faz o que você faz é um começo. Se a resposta for outra pessoa senão você, tem coisa errada. Mas se for você mesmo, você tem muita coragem. Porque é preciso ter coragem para ter autonomia sobre a própria vida. Com tanta gente metendo o bedelho onde não foi chamado, como diria minha avó, mandar em si mesmo e tomar as próprias decisões é exceção, é raridade, é arte, quando, na verdade, isso sim deveria ser normal e constante. 

Pelos incontáveis argumentos preconceituosos que tentam justificar as minhas escolhas e pelos olhares indignados que tentam perturbar a minha paz, a minha liberdade. No meio de toda essa monotonia, essa falta de ousadia faz falta. Ser livre e em consequência feliz é o diferencial que o planeta busca. Então, me deixa. Me deixa beijar quem eu quiser, vestir o que eu quiser, fazer o que eu quiser. Me deixa gostar de samba e rock ao mesmo tempo. Me deixa dançar funk mesmo quando tem gente vendo. Me deixa, porque não há nada que você possa fazer a não ser escolher entre só observar ou ser quem você quiser também. Mudar é preciso, mas mudar para melhor é revolucionário. Pode doer um pouco, mas não mata. Afinal, toda mudança leva um pseudônimo chamado caos.


- Mariana Sanches Moraes


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