Você tem um papo que dá vontade de escrever



 Minha casa é pequena, acabei de reformar. Não tem nada na cozinha além de um prato, alguns talheres, uma xícara e uma chaleira para o café. Não tem nada na sala além de um colchão com almofadas e uns livros que eu nem cheguei a ler a sinopse. É que, na verdade, acabei de me mudar. Ainda tem caixas perdidas  no corredor, então me desculpa a bagunça. As paredes estão com o cheiro fresco de tinta, então me desculpa se você for alérgica. E talvez você se chateie com a falta de uma televisão e de um wifi. Eu sei. Mas eu garanto que você não vai cair em sono de tédio, porque existem algumas coisas que, você sabe,  não precisam de mais nada senão dois corpos nus.

Eu só não quero passar essa minha primeira noite sem uma companhia e você tem um papo que dá vontade de escrever. Mas não consigo acompanhar. Não por falta de atenção ou porque você fala rápido demais. É que você tem uns lábios que, sei lá, me deixam com a mente vazia. Dá vontade de interromper cada palavra que sai por eles com um beijo. Você tem um jeito de ser tão sem rótulos e tão sem querer. Eu vou abrir a porta para tudo que te pertence. Desde seus cachos até seus segredos. Quero dividir com você meu café matutino, meus sapatos, meus descalços, meus dobrados. Até mesmo a escova de dente, a coberta, a pizza. Posso fazer um esforço também para te dar a segunda do meu último cigarro, a casquinha do meu sorvete de limão, o meu travesseiro mais macio. Em troca e a última coisa que eu quero é que aceite. Deixe a mudança vir. Mesmo que tudo que venha de mim seja apenas metades, é de desejo que eu faço a minha inteireza. E eu te desejo. Inteiramente.

Dê uma chance para esses seus olhos se perderem de vista e esse seu corpo se encontrar num orgasmo. Ou quantos mais eu puder te dar. Deixa a mudança vir. Deixa ela te carregar de braços leves e te fazer cócegas na barriga. E ria comigo. E fica comigo. Acabei de recomeçar. Então, por favor, não me diga que você é organizada, nem alérgica.


- Mariana Sanches Moraes


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