Aos fins

 noah kleinschmidt

Dedico este texto ao fim. Ao fim de cada linha que escrevo, de cada palavra que recito, de cada letra que penso. Fins costumam ser tão corriqueiros e vulgares, mas ao mesmo tempo são avassaladores, nos pegam de surpresa, tão raros. Alguns a gente já entende. O fim do dia, o fim da semana, o fim da aula, o fim do expediente, o fim da insônia. Outros são inaceitáveis. O fim do chocolate, o fim do final de semana, o fim da festa, o fim do relacionamento, o fim da vida. Mas o fim é sobretudo uma verdade que nos ocorre. E sempre que me pego pensando nos fins, penso também nos começos. E nos novos fins advindos desses começos e, portanto, recomeços e, portanto, refins. Talvez os fins mintam tão bem quanto os começos. Talvez o segredo que eles escondam é um namoro eterno, no qual um pertence ao outro e então eles se misturam, se perdem e se encontram novamente. Se encolhem sob o escuro da noite e disputam o crepúsculo. O dia é o fim e a noite o começo. Ou o dia é um começo da noite e a noite o fim do dia.

Aos fins, dedico também toda a minha paciência em espera-los e toda a minha procrastinação ao adiá-los. E odiá-los. Mesmo que nem sempre seja possível. Mesmo que nem sempre seja bom. Às vezes me sinto fadada ao desassossego de meus fins. Algumas coisas parecem acabar rápido demais. O tesão, a maconha, o banho, a música, o livro, a ligação, o sono profundo. Às vezes penso que meus fins são mais ansiosos que eu. Eles querem acontecer antes da hora e aí roubam a minha cena. Aos fins dedico a minha nostalgia, que existe só porque eles em algum momento interromperam os meios. Os fins são designados a mandarem os momentos para a memória. E aí, eles param de existir. Fins na memória não têm vez. E eu relembro de tudo enquanto minha mente for sã. Se um dia ela deixar de ser, saberei que foi por obra do fim. O fim da minha lucidez e, então, o fim das minhas memórias.

Até que isso aconteça e se acontecer, vou vivendo outros fins. Os pequenos e os grandes. Os tristes e os felizes. Os oportunos e os que se estendem. E teimosa como sou, continuarei a não me acostumar com o rumo final que tomou o protagonista daquele filme e com o abraço numa longa despedida. Ou com a despedida de um longo abraço. Ou com a ideia de que um abraço tenha um fim e uma despedida seja um. O que é importante e difícil de entender é que o sentido das coisas só existe porque um dia elas acabam, se transformam ou renascem. Isto é o que há de mais sincero nos fins: eles não abandonam os começos nem os meios. Eles nunca deixam uma história pela metade. 

- Mariana Sanches Moraes

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