Os meus quases
Angela Burón
Há um tempo, eu pensava que tinha azar. Pensava que eu era fruto de uma espécie de combinação de má sorte com falta de boas energias, porque as coisas nunca pareciam dar realmente certo para mim. Mas, agora, eu percebo que eu de fato não tenho a sorte como inimiga, mas o quase. Eu quase consigo pegar o ônibus das oito, eu quase acordo no horário, eu quase sou premiada na promoção da bolacha recheada que me levaria à Cancún, eu quase tenho um orgasmo, eu quase sou selecionada para aquele cargo, eu quase sou publicada no site de crônicas, eu quase ganho o papel do casting que eu faço e eu quase me apaixono. Eu sempre quase me apaixono. Falta sempre tão pouco para eu pensar em alguém a todo o momento e me convencer de que eu faço questão de tê-la por perto, mas aí passa e eu enjoo. Me vejo num estado de total inconstância, de desejo efêmero e o que eu sinto agora é a única coisa que eu sinto. Eu sinto muito. Então, carpe diem, já que amanhã eu posso não estar no mesmo lugar de sentir o que esse alguém sente. E eu penso que não conseguir se apaixonar é uma falta de sorte. Nem sei se eu acredito em sorte, porque nunca tive. Só que nem sempre é tão óbvio desacreditar naquilo que não se vive. Eu nunca me apaixonei, por exemplo, mas acredito no amor. Nada mais tedioso do que ser previsível. Alguém aparece, a gente se diverte, se invade e o fim da história interrompe até mesmo o começo: é uma questão de dias para eu me desencantar. Tão previsível.
Eu costumava achar que também tinha medo. Medo dos riscos, medo da mudança, medo de magoar, medo do imprevisível. Mas não. Mais tarde entendi que a conclusão é apenas mais um sintoma do quase. Eu quase grito em público para aliviar a raiva, eu quase sussurro para minha mãe fechar a porta do quarto porque o som da televisão me tira o sono, eu quase pulo de paraquedas, eu quase digo não, eu quase assisto a filmes de terror, eu quase faço brigadeiro em vez de arroz, eu quase vou à faculdade por outro caminho que não seja o rotineiro, eu quase mudo minhas roupas de lugar e eu quase me apaixono. Quase. É engraçado como a gente se acostuma com as nossas próprias condições. O quase já faz parte de mim e de tudo que eu faço. Dos meus lembretes na geladeira e dos que eu quase esqueço de lembrar, das minhas conversas e de tudo o que eu quase consigo dizer, dos lugares que eu habito e os que quase habitam em mim. Talvez a vida esteja dando um jeito de me preparar para os finalmentes. Mas se de repente eles chegarem, com eles chegarão também os fins. E já não sei se estou preparada para esses.
Quase que eu não termino essa crônica. É tanto quase em uma vida só que me apelidarei de "senhorita quase". Os outros me reconhecerão pelo apelido e quase nunca saberão meu verdadeiro nome. E quando eu, enfim, me livrar de todos os meus quases, continuarão a me chamar pelo que fui a vida inteira, para não esquecerem de que eu fui a maior faceta do que sempre chegava muito perto de conseguir e o mais longe de tudo o que a fazia desistir. Ou quase.
- Mariana Sanches Moraes
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