Invenção feminista?
A opinião é sempre algo muito polêmico e, quando ela é exposta no meio virtual em um site de bastante repercussão, como o de um jornal, o cuidado deve ser maior. Digo isso porque, mesmo administrando um blog de poucos frequentadores, sou leitora de diversos sites que muitas vezes se pode afirmar ter credibilidade e visibilidade. Porém, o que li essa semana realmente me traz decepção e revolta.
O aclamado e criticado movimento feminista está acostumado a ser alvo de discussões nos grupos do WhatsApp, nos comentários do Facebook e no bar com os manos e com as manas. Ainda que seja tratado como um movimento jovem, o feminismo existe historicamente há muitos anos. E quando eu digo que os anos somam décadas e acumula em quase um centenário, não é pouca coisa. Na sociologia, um movimento social tem como objetivo representar um grupo ou coletivo, se opor a algo e apresentar alternativas. Até que isso seja feito, o movimento continuará existindo. As pautas feministas são inúmeras e, se elas existem há tanto tempo, é porque ainda não forem completamente saciadas. Ainda que tenhamos um número maior de pessoas aderindo ao feminismo, há muito a ser feito. Digo isso como feminista. O que ocorreu com a opinião que li no jornal foi que era simplesmente infeliz. O articulador salienta sobre a generalização das feministas em relação aos homens e o suposto mito da cultura do estupro.
Em primeiro lugar, a generalização é cotidiana e muito utilizada por todos, e eu não estou generalizando. Acredito que, também, a generalização é burra, porque não se pode tirar conclusões sem analisar as partes. Pelo menos não quando falamos em opinião, em julgamento. Entretanto, o autor do texto escreve que os homens e estupradores são postos no mesmo saco pelas feministas. Acontece que é necessário ser sensato ao entender o que a maioria das devotas do movimento querem dizer. Os estupradores não são, analisando em grande parte, indivíduos que saem de noite caçando mulheres para violentar, colecionando vítimas e sendo um profissional do abuso. Antes de qualquer coisa, os estupradores de que se fala são pessoas que, uma ou mais de uma vez, estupra outra pessoa. Estupradores são, portanto, nessa linha, seres socializados que sabem do erro que é se cometer esse crime, podem ser, portanto, pais de família sim, bom trabalhador sim, empresário de sucesso sim, e são todos, por sua vez, homens. Nem todos os homens são estupradores e digo também que nem todos os estupradores são homens, pois que não esqueçamos da minoria violentada. Mas num olhar mais detalhado do discurso feminista, é possível compreender que os homens são estupradores em potencial e que ambos estão no mesmo saco, porque pertencem ao mesmo sexo. Há em nossa sociedade uma ideia de privilégio. Homens brancos são privilegiados porque, em relação aos negros, não sofrem racismo. Heterossexuais são privilegiados porque em relação aos homossexuais, não sofrem homofobia. E os homens são privilegiados porque, em relação às mulheres, não sofrem machismo. Então, os privilegiados são agressores - físicos ou verbais - em potencial.
Em segundo lugar, a cultura do estupro não é um mito, porque a cultura do estupro não é o que você pensa. Quando se fala em estupro, o tom da palavra por si já traz uma ideia de violência, de agressão, de crueldade. Além disso, só ouvimos e vemos essa palavra em um contexto de único sentido. Mas estupro significa também constranger alguém e atuar abusadamente sem um consentimento. Portanto, o estupro não é apenas obrigar alguma pessoa a fazer sexo até ela sangrar, no meio do mato e no meio da noite. Estupro também tem a ver com a falta de respeito quando a mulher diz que não quer beijar na balada, quando ela está bêbada, quando se tira dela o direito de escolha. Estupro é objetificar a mulher e agredi-la, com palavra ou com soco. A cultura do estupro nada mais é do que a cultura do machismo. E o machismo é super, mega, ultra tratado como algo natural. Será que o escritor discorda que o machismo está enraizado em nossa sociedade?
Enfim, o moço de quatro décadas de vida precisa de mais leveza nos dedos ao digitar parágrafos que refletem num retrocesso e ignorância para o assunto. E nem por isso ele é uma pessoa má. Não sei, não conheço. Talvez apenas tenha explanado uma opinião infeliz. Não é o meu papel como articuladora deste texto defender completamente as feministas, também. Embora eu seja uma, há muitas vertentes do movimento - algo que, inclusive, o blogueiro fez questão de ignorar - e algumas das quais eu não sou parte. Como por exemplo, eu acredito que é fundamental que os homens participem do movimento feminista, quando eles se proporem e desconstruírem seus preconceitos machistas, porque eu não sou a favor da guerra entre os sexos e o mundo realmente carece de empatia. Assim como os heteros devem lutar pelos direitos dos gays e os brancos pelos dos negros. Somos uma sociedade, afinal. Se não formos solidários, deixaremos de ser humanos. Entretanto, o que acontece é a reação. As feministas sofrem com uma maioria machista, então acham um jeito de se defender, de se levantar, de se contrapor. Nós nos defendemos, nos levantamos, nos contrapomos. O feminismo não cria paranóia em mulher nenhuma, mas, para a maioria, é difícil ver o homem e não associar à ameaça.
- Mariana Sanches
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