Amor também é construção
Dentre e além das filosofias mais conspiratórias, as mais performáticas estórias e as tentativas mais frustrantemente insistentes em, bem, tentar, o amor habita em sua própria casinha. Pode ser uma filosofia performática e insistente, mas é assim que eu visualizo: uma moradia aconchegante, jardim em volta, sem muros, cercas elétricas ou alarmes. Pelo menos é dessa forma antes de alugarmos um espaço para o amor em nós. Aí praticamente construímos um paredão de concreto ao seu redor, onde ninguém, ou quase ninguém, é capaz de entrar. Talvez um ou outro consiga visitar a casinha armando uma armadilha, cavando buracos ou martelando o concreto, como se fosse conseguir algum tipo de sucesso. Mas, quase como raridade, surge uma pessoa realmente disposta a escalar tal muro.
E cai, e levanta, e cai, e insiste. E conquista. Essa pessoa se faz merecedora de todos os esforços desmedidos de entrar na casinha que nós colocamos ali, em nós, e que estava até então sem habitante. Agora somos dois. E, embora construir paredões de concreto tenha sido mais fácil do que cultivar um jardim em volta da casinha, a construção dessa vez é outra. E não é fácil. Porque o próximo passo é cuidar dessa casa e não deixá-la desmoronar. Parece tranquilo, mas mesmo que sintamos amor um pelo outro, precisamos construir amor.
Amor não vive só de sentimento. Há quem diga que ele só aflora quando existe afinidade e compatibilidade, ou que é preciso apenas ter química e tesão envolvidos. Porém, sabe-se que essa definição está aquém do que realmente é. Amor é muito melhor quando há afinidade, compatibilidade, química e tesão, não nego. Amor é sim gostarmos de Incubus mas amarmos Titãs, concordarmos que o Brasil já começou errado, sermos loucos por comida japonesa, entendermos pouco sobre cosmologia e ainda assim sermos fanáticos pelo assunto, chegarmos em um consenso sem discussões sobre onde jantar e ficarmos na mesma posição romântica durante toda a noite. Amor é sim termos sintonia nas conversas e nas risadas, pegarmos as referências, entendermos as nossas caras e bocas, sentirmos a roupa ser à prova da gravidade com um beijo, querermos fazer sexo com ou sem delicadeza e estarmos tão compenetrados nisso tudo que mal nos lembramos como podíamos ser tão bons antes de nos conhecermos.
Mas esses aspectos são tão pequenos se usarmos somente eles para dizer o que é amor. O amor é também empenho, luta, empatia e compreensão. É saber que a casa vai ter os seus canos quebrados, vazamentos, mofos, louça suja, criado mudo empoeirado e que, apesar desses problemas que nós adoraríamos não ter que lidar, continuamos ali. E consertamos os erros. Ok, alguns deles não tem muito o que fazer, é aceitar ou largar. Mas amor também é construção. E é por isso que tanto casal abandona a moradia. A essa altura, é preciso entender que o amor não é sempre belo e formidável. Caso o contrário, a pessoa que você ama não teria pelos nas costas, mau humor matinal ou sotaque esquisito.
Para chegar à plenitude e ao prestígio de viver o amor, senti-lo e construí-lo é necessário. Porque o amor morre de fome se não tiver reciprocidade, esforço e paciência. Fica tão raquítico que chega a sumir. Então, pegue essa casinha, deixe o caminho até ela mais acessível e economize energia para a construção que realmente importa. Construa dentro, não fora. Dê fim aos muros, se a pessoa que entrar não fizer jus às regras da casa, fica até mais fácil mandar ela embora. Pode até doer, mas amar também é dar liberdade, ora para o outro, ora para nós - amar também é livrar-se. Por experiência, leitura ou sexto sentido, nós aprendemos que o que faz o amor andar para frente é a vontade de ambas as partes em fazer dar certo. Claramente que, junto com isso, vem também a vontade de xingar a pessoa no momento da raiva e largar mão em algumas situações quando a impaciência nos visita. Mas questões momentosas não acrescem valor comparativo ao do amor. Então, respira, pega o pano que eu busco as ferramentas e nós arrumamos isso.
-Mariana Sanches Moraes
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