O tabaco mais clichê

Quando vi, já era. É engraçado como os passos do racional não acompanham o coração. Quando percebi, já falei. Não ensaiei, me atropelei. Não estava no roteiro, mas eu nem tinha um. Você sabe, a vida se encarrega sozinha. E como se não fosse nada demais, você apareceu, puxando um papo que não impressiona, com um sorriso que não é novidade, fumando o cigarro mais clichê do rolê, completamente disposto a se entregar ao relento, como se pouca chuva não molhasse como tempestade. E eu descobri, depois daquela noite, que molha muito mais.

Foi uma loucura as conversas que tivemos naquele mesmo dia, me acendeu uma chama, me despertou interesse. Era como virar a chave: de um sem graça qualquer ao cara incrível de rima inteligente. Te ouvi cantar, você me ouviu falar. Gole por gole, trago por trago, sussurro por sussurro, e eu fiz um pedido tácito. Queria sua boca na minha, sem pressa. E cada olhar contorcia minhas pernas, embora eu soubesse que isso tudo poderia muito bem ser só culpa da bebida. Mas eu me agarrei àquelas sensações indecentes e me calei com um pedido quase incontrolável. Me toca, sem mais. Meus pensamentos me tiravam a atenção do diálogo, eu só sabia concordar. Aham, ok, sim. Os seus dedos entrelaçaram meus cabelos com destino à nuca, eu sentia o cheiro do tabaco. Era o tabaco mais clichê. Os seus olhos nos meus eram tão íntimos que nem uma nudez se atreveria a tanta exposição. Era intruso e curioso, era como se você estivesse lendo minha alma. E eu me despi de pele inteira, enquanto você gentilmente me acariciava entre as pernas.

No transe daquele momento, entendi que nada mais ali poderia ser melhor. Tudo numa harmonia tão perfeita quanto as vibrações do universo. Tudo se alinhou, tudo se encaixou. E agora eu me sinto flutuante só desse dia me retornar à memória. Mais viciante que o tabaco mais clichê, mais intenso que o perfume mais doce. Mas era isso. Dose dupla não é bom quando a primeira já tem início, meio e fim. Quando fui, já vi. É engraçado como as lembranças do coração não prevalecem sobre o racional.


- Mariana Sanches Moraes